Quando se fala em globalização, a primeira idéia que se faz é de ser um fenômeno caracteristicamente econômico, já que grande parte da literatura traz essa abordagem. De fato, a globalização tem como base a economia, que é a principal face do processo, mas nem por isso deixa de agregar outros campos da atividade humana como se verá adiante. De modo geral, define-se a globalização como um “processo típico da segunda metade do século XX que conduz a crescente integração das economias e das sociedades dos vários países, especialmente no que toca à produção de mercadorias e serviços, aos mercados financeiros, e à difusão de informações” . Contudo, seria possível imaginar uma integração total de todas economias e de todas as sociedades do planeta? Na verdade, esse modelo de globalização deriva de uma visão utópica de que se poderia alcançar uma integração global de economias e de sociedades. Poder-se-ia dizer, então, que a globalização tem um aspecto gradual e outro qualitativo de dependência econômica, em escalas maiores ou menores de acordo com os interesses em jogo da sociedade de Estados e conforme os limites estabelecidos nos tratados internacionais multilaterais.
Ainda sob uma perspectiva econômica, a globalização gerou uma profunda modificação no processo de acumulação de riquezas do modelo clássico para o atual. O modelo clássico de acumulação previa investimentos em produção como forma de agregar valor às matérias-primas, gerando mercadorias, cuja comercialização permitiria a realização de lucro e, por decorrência, a geração de riquezas. O capital parece ter se automatizado, multiplicando-se com base na própria capacidade de se movimentar livremente por um mercado financeiro planetário de funcionamento ininterrupto, no qual os negócios são fechados com uma rapidez outrora inimaginável. A acumulação, portanto, já não é somente uma conseqüência do processo produtivo real, mas também resultado da capacidade de investidores apostarem com acerto no ponto de parada que momentaneamente proporcionará a remuneração mais atraente para os seus títulos .
Otavio Ianni também vincula a globalização ao capitalismo, no sentido de que evoluiu do mercantilismo, passando pelo colonialismo, imperialismo, multinacionalismo e transnacionalismo a um modo de produção global . E continua: ainda que desenvolvendo-se de maneira desigual, combinada e contraditória, o capitalismo expande-se pelas mais diferentes nações e nacionalidades, bem como culturas e civilizações, dinamizado pelos processos de concentração e centralização, concretizando sua globalização. O que já se anunciava nos primeiros tempos do capitalismo, revela-se claro no século XIX e mais ou menos avassalador no século XX .
A globalização também é sinônimo de progresso para os defensores desse processo, e, por isso, essa corrente acredita que os países em desenvolvimento deveriam aceitá-la como instrumento rumo ao crescimento e ao combate da miséria de maneira eficaz. Um dos principais mecanismos para a consecução desse ideário foi a criação de instituições globais, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e, mais recentemente, a Organização Mundial do Comércio (OMC). Todavia, o que se observa é que a globalização não logrou êxito em reduzir a pobreza, nem tampouco teve sucesso em garantir a estabilidade. As crises na América Latina e na Ásia têm ameaçado economias e a estabilidade de todos os países em desenvolvimento . Michel Chossudovsky também crítica o conceito de globalização significando progresso, pois, segundo ele, ‘desde o começo dos anos 80, os programas de ‘estabilização macroeconômica’ e de ‘ajuste estrutural’ impostos pelo FMI e pelo Banco Mundial aos países em desenvolvimento (como condição para a renegociação de suas dívidas externas) têm levado centenas de milhões de pessoas ao empobrecimento .
Sob uma perspectiva sócio-jurídica, a globalização é uma das formas mais elevadas do convívio social, consolidada por meio da institucionalização gradativa de todos os campos da atividade humana em nível internacional, com reflexos na ordem interna da sociedade de Estados. A organização da sociedade internacional decorre dos valores comuns reconhecidos pelas diversas sociedades nacionais e se dá por meio da criação de normas jurídicas internacionais regulamentando essas atividades.
Além disso, cada Estado defende o interesse de seus nacionais, o que torna o processo aparentemente fácil, num verdadeiro jogo de poder “oligarquizado” entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Essa dinamicidade da vida internacional, facilitada nos dias atuais pelos meios da telemática (comunicação e informática), faz com que as diversas sociedades conheçam as questões relevantes e se manifestem direta ou indiretamente em defesa de seus interesses setorizados (manifestação pela paz, contra a guerra, pelos direitos humanos, pelo respeito ao meio ambiente, contra a poluição etc.).
Anthony Giddens define a globalização como “uma ação à distância” e proporciona uma transformação nas noções de tempo e de espaço, decorrente da expansão em massa dos meios de comunicação e de sua instantaneidade. Por isso, considera que a “globalização não é um processo único, mas uma mistura complexa de processos, que freqüentemente atua de maneira contraditória, produzindo conflitos, disjunções e novas formas de estratificação. Daí, porque a revitalização dos nacionalismos locais e uma intensificação das identidades locais estarem diretamente ligadas e em oposição às influências globalizadoras” .
Embora o caráter global de certos fenômenos supere o nível de solução de um Estado e implique o recurso a uma autoridade internacional ou supranacional , de acordo com o Dictionnaire des Relations Internatinales au 20e Siècle, não se trata apenas de um questão econômica na atualidade, e seu processo não é exclusivo da segunda metade do século XX, mas desde a internacionalização da atividade econômica. Numa visão mais ampla e primária, podemos dizer que a globalização remonta às grandes navegações nos séculos XV e XVI.
Desse modo, o fenômeno da globalização significa a internacionalização das atividades humanas seja pela ação local, seja pela regional ou internacional, de um modo geral, permitida pela diluição das barreiras geográficas, quer pelo aumento do deslocamento físico de pessoas (graças à evolução dos meios de transporte), quer pela revolução nas áreas da comunicação e da informática, na qual as informações são transmitidas instantaneamente. Esses recentes avanços tecnológicos na história da humanidade modificaram comportamentos humanos em níveis locais e internacionais, dando origem ao surgimento de uma sociedade mundial, seja sob uma perspectiva econômica com a produção global, seja financeira, com mercados integrados, seja pela inclusão de novos atores e ações na dimensão internacional além dos Estados, como é o caso do consumidor internacional, transformando a vida social numa verdadeira sociedade cosmopolita, uma sociedade civil internacional.
Embora o termo globalização esteja associado a um fenômeno peculiar do século XX, não se trata de um fenômeno novo, pois encontramos precedentes na história do capitalismo, como já dito anteriormente. As revoluções dos meios de comunicação e da informática modificaram profundamente as noções clássicas de tempo e de espaço, facilitando o intercâmbio de dados e informações de modo instantâneo, independente das barreiras geográficas, principalmente a partir dos anos 80 do século passado. A revolução da telemática é também responsável pela mudança nas formas de produção vinculadas a um determinando espaço geográfico, descentralizando-as.
sexta-feira, 5 de março de 2010
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Quem sou eu

- INEZ LOPES
- Professora-adjunta de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Ex-coordenadora Geral de Cooperação Jurídica Internacional do DRCI do Ministério da Justiça.
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